quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Morte lhe Envia Flores

Aos amigos e colegas. Publico aqui o primeiro capítulo do meu livro A Morte lhe Envia Flores. Trata-se de uma pequena amostra do trabalho e eu espero (e aguardo!) uma avaliação de todos vocês. O livro foi lançado no final de setembro e está disponível na Amazon e no Clube de Autores, na versão impressa. Divirtam-se!



Capítulo 1



Eu posso ser romântico? Tenho me perguntado muito isso ultimamente. Nunca fui muito bom nessas coisas. Lembro dos tempos do colégio. Havia uma menina que mexia muito comigo. Eu não era bom em falar com meninas, então eu só olhava. Mantinha uma distância segura. Certa vez um colega tomou a minha frente e disse para aquela menina que eu gostava dela. Ela não mudou a expressão do rosto. Apenas virou-se para o meu amigo e disse que eu devia... Bem, não gosto muito de ficar reproduzindo palavrões. Era por isso que eu preferia manter distância.

Também tinha medo que o meu passado obscuro – não, não chegava a ser um passado obscuro, mas um passado no mínimo esquisito –, atrapalhasse meus relacionamentos. Então eu evitava qualquer tipo de aproximação. Eu ficava esperando que alguém perguntasse, assim, na lata: “verdade que o seu pai passou uma temporada na prisão?” É engraçado porque quase ninguém sabia do passado da minha família. Mesmo porque eu não tinha muitos amigos, não tinha com quem conversar. Então, por que iriam perguntar sobre meu pai?

Mas eu ainda tinha medo. Sentia como se aquilo estivesse escrito na minha testa. Grafado em letras garrafais num papel colado em minhas costas, como os outros moleques costumavam fazer com os desajustados da escola. Sim, eu era um tremendo desajustado. E acho que ainda sou. E é por isso que vivo me perguntando: será que eu consigo ser romântico?

– E aí? Você vai ficar o dia todo na cama? Vamos, o dia está lindo e temos milhões de coisas para fazer. A dona da imobiliária disse que pode entregar as chaves ainda hoje. Precisamos ver móveis, estudar anúncios para o jornal. Agora você é um profissional liberal, tem que correr atrás do prejuízo. Vamos, sai logo dessa cama!

Virei minha cabeça por um instante. Lá estava ele, tagarelando, como faz todos os dias. Ainda tem essa. Como é que alguém consegue ser romântico com um cara desses grudado no seu pé?

– Está bem, mamãe. Eu já vou. O que temos para o café da manhã?

– Eu sei lá o que tem para o café da manhã. Isso não é o meu departamento. Trabalho no departamento de prisões e investigações.

– Como é que você sabe o que a dona da imobiliária disse?

– Ela deixou um recado na secretária eletrônica. Eu não consigo atender telefone, mas posso ouvir o recado quando ele é gravado.

– Ah! É verdade. Agora temos uma secretária eletrônica.

– E temos um escritório para mobiliar e muitas coisas para fazer.

– Ei! Por um acaso você passou a noite com um dedo enfiado numa tomada? Cara, você está com a corda toda. Alivia um pouco, estou acordando agora.

– Eu não durmo, eu não me canso. Estou sempre com a corda toda. Essa é uma das vantagens de ser um fantasma.

– Está bem. Que horas são?

– Sete e meia.

Às vezes é legal ter alguém com você o tempo todo. Sempre ter com quem conversar. O Pena sabe ser divertido em alguns momentos. Em outros – céus! – ele é um saco! Seu estado de espírito – tá, eu sei que é meio esquisito falar isso – oscila feito uma montanha russa. Quando estamos no meio de um caso ou mesmo durante meu treinamento para detetive, ele permanece focado, atento a cada detalhe. Quando não temos nada para fazer, aí bate a depressão. Nossas discussões têm sido cada vez mais frequentes. Principalmente quando eu menciono o nome da Juliana. Isso não muda nunca. Temos brigado muito ultimamente. E, sempre que brigamos, ele some. Não faço a menor ideia de como ele consegue isso. Ele chega a desaparecer por horas e quando volta está sempre quieto, pálido até. Como se tivesse visto um fantasma. Tá, eu sei que isso também é esquisito.

Não vamos perder tempo com a nossa rotina. Você já conhece o esquema. Eu levantei, tomei banho. Comi qualquer coisa que tinha na geladeira, escovei os dentes e fomos para nosso novo escritório. Ele ficava num prédio comercial entre o antigo apartamento do Pena e o Distrito Policial. Estava muito bem localizado. A casa de Juliana também não era muito longe. Aliás, ficava no caminho. Às vezes ela me esperava na porta do meu prédio para me dar uma carona. E eu acho que esse era um dos principais motivos do humor oscilante do Pena. Daquela montanha russa desgovernada. Nós nos encontrávamos com alguma frequência e conversávamos bastante. Sobre vários assuntos. O Pena participava das conversas, mas às vezes era como se ele simplesmente não estivesse ali. Ela falava dos problemas dela no IML eu falava das minhas expectativas com o novo trabalho como detetive. E o Pena ficava fulo da vida com isso.

Antes nós passamos numa loja de móveis para escritório e confirmamos os pedidos. Por desencargo de consciência acabei comprando duas mesas. Pena vinha enchendo o saco para ter sua própria mesa. Era estranho porque ninguém vai conseguir vê-lo sentado ali. Mas ele insistiu tanto e eu não tive como resistir. Havia um espaço para instalarmos uma secretária. Pena achou que Cristina, a recepcionista da Seguradora, seria uma ótima aquisição. Mas aí eu achei que era demais.

Uma semana depois nosso escritório estava pronto. Telefones instalados, conexão com internet, computadores, impressoras. Estávamos equipados para solucionar qualquer mistério. Preparamos uma sala de reuniões com um quadro branco na parede. Era nossa sala do mosaico. Exatamente como no Distrito. O velho guia de investigações do detetive Pena valeria aqui também. O bônus que seu Atílio nos pagou pelo nosso primeiro caso garantiu móveis e equipamentos de primeira linha para o escritório. Foi um ótimo investimento.

Agora era só esperar o telefone tocar.

Dei uma espiada na agenda. Eu já sabia, mas precisava ter certeza. Hoje era o dia do nosso tradicional almoço com Juliana. Tínhamos parado com isso alguns meses atrás. Mas a necessidade foi mais forte. Nem ela, nem o Pena resistiram por muito tempo. E, tenho que reconhecer, eu também sentia falta. Estava pensando em qual restaurante iríamos hoje, quando o meu celular tocou. Era Juliana.

– Oi querido! – era o seu jeito tradicional de saudar alguém. Eu adorava aquilo!

– Oi, Juliana! Ligando para confirmar o almoço? Estava pensando nisso agorinha mesmo.

– Na verdade liguei para avisar que não vai ser possível almoçar com vocês. Não fica chateado, mas eu fui chamada para acompanhar um caso.

– Algo complicado?

– Ainda não sei detalhes, mas, aparentemente, é um suicídio.

– Ué, e por que precisam de você no local?

– O Carlão quer ter certeza. Sabe como ele é. Desde que assumiu a chefia dos investigadores, ele quer tudo passando pelos peritos.

– O Carlão é exagerado. Eu não falei com ele ainda. Preciso dar os parabéns pela promoção.

– E o escritório?

– Já está tudo pronto. Ficou muito legal.

– Ah! Eu queria ver. Eu pretendia dar uma passada por aí, depois do almoço.

– Puxa, que droga você não poder vir.

– E aí, ela não vai falar de mim? – resmungou Pena, com a placa de mau humor pendurada no pescoço.

– O Pena está te mandando um abraço...

– Que história é essa de abraço. Diz que eu mandei um beijo!

– Corrigindo, ele te mandou um beijo. Disse que está com saudades.

– Eu também estou. Manda um beijo bem grande para ele. Eu preciso ir. Chegar na Universidade Metodista com esse trânsito não é fácil.

– O suicídio aconteceu na Universidade Metodista? Que estranho.

– Foi. Por que estranho? Esses estudantes vivem a mil por hora. Às vezes alguns piram.

– É que esse é o terceiro caso de suicídio na Universidade Metodista. Isso é estranho.

– Como assim o terceiro. Eu só estou sabendo desse caso.

– Esse é o terceiro suicídio que acontece lá, só esse mês. Em 30 anos nunca registraram nada de mais grave na Universidade. Eu fiquei surpreso quando soube do primeiro caso. Agora acontece o terceiro. Parece uma epidemia.

– E como é que você ficou sabendo desses suicídios? Acho que nem o Carlão sabe disso.

– Errr.... Pelas redes sociais.

– Olavo Bilac! Você ter um perfil numa rede social?

– Tenho... Sabe como é, agora, com o escritório, eu preciso ficar por dentro do que está rolando. E um perfil em redes sociais é essencial...

– Conta pra ela da página do escritório – emendou Pena.

– Então, e nós criamos uma página para o escritório também... No Facebook.

– Sério! Eu ainda não vi!

– É complicado. O Pena aprendeu uns macetes. Agora ele consegue mexer no computador. Ele fica toda hora postando gracinhas...

– Meu Deus! Como é que ele consegue isso?

– Eu me sinto como um cachorro que aprendeu um truque novo – resmungou Pena.

– Eu não faço a menor ideia de como ele consegue...

– Bem, querido. Eu preciso ir. No final do dia eu passo por aí pra gente conversar. Vou avisar o Carlão sobre o que você me contou. Eu acho que ele não está sabendo dos outros casos.

– Faça isso. Manda um abraço pro Carlão... E bom trabalho.

– Eu mando. Um beijo bem grande. Estou com saudades.

– Eu também... Nós também estamos com saudades...

Pena estava nitidamente aborrecido. Ele estava parado bem na minha frente, com o rosto fechado. Pela primeira vez eu tive medo daquela sombra.

– Um beijo bem grande... Estou com saudades... – ele falava aquilo rangendo os dentes.

– Qual é o seu problema, Pena?

– O meu problema? Você ainda não sabe qual é o meu problema? O meu melhor amigo está caidinho pela minha namorada. Ele fica todo babado quando está perto dela. Fica cheio de graça quando fala com ela pelo telefone. E eu aqui, quase transparente, não posso fazer nada. Não posso tocar em você... E o pior, não consigo mais tocar nela...

– Pena, você está me assustando. Cara, você está escurecendo... Isso é apavorante.

– Eu sinto ódio. Eu estou morrendo de ódio! – sua voz soou quase gutural enquanto berrava.

– Meu, você não fica bem sentindo ódio... – foi tudo o que consegui dizer. Estava realmente com medo.

– Desculpe. Você tem razão. Eu não me sinto bem quando estou com ódio. Tenho a impressão de que vou desaparecer. Sumir daqui e reaparecer em algum lugar sombrio. Mas você não sabe o quanto é difícil ver vocês dois...

– Pena, você está exagerando. Não existe nada entre mim e Juliana. Ela nem percebe a minha presença quando estamos todos juntos.

– Você está brincando, né? Ela nota sim. Você tem essa mania de se achar invisível. Mas o invisível aqui sou eu, meu caro. Eu vejo o jeito como ela olha para você. É o mesmo jeito carinhoso que ela costumava olhar para mim.

– Eu não percebo nada disso...

– Mas eu percebo o quanto você fica ansioso quando vamos encontrá-la. Você treme nas bases. Eu sei como é. Ela domina o ambiente.

– Olha, a Juliana não vai almoçar com a gente. Vamos comer alguma coisa? Eu estou morrendo de fome.

– Eu não como, esqueceu? Eu não sinto fome.

– É, mas eu sinto. Onde vamos comer? Será que tem algum restaurante chinês por perto?

– Tem. Lá embaixo, bem em frente ao prédio. Você não viu?

– Tem? Realmente eu não prestei atenção.

– Abriu faz pouco tempo. É uma casa especializada em produtos chineses, mas eu vi que eles têm algumas mesas e servem refeições.

– Sério? Aqui pertinho? Que maravilha! Eu adoro comida chinesa e todos aqueles badulaques que eles usam. Acho aquilo fantástico.

– Ótimo, então você vai adorar o lugar. É um ambiente pequeno, mas todo decorado com motivos chineses... Cheio de penduricalhos, do jeito que você gosta.

– Puxa, eu nem reparei.

– Pois é. Um bom detetive deve ser, antes de qualquer coisa, um bom observador.

– Eu sabia que você ia dizer isso.

– Sim, e vou dizer isso sempre. Você precisa ficar ligado ao que acontece à sua volta. Isso ajuda a solucionar crimes e a encontrar bons lugares para almoçar.

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