quinta-feira, 25 de junho de 2015

A palavra como arma


Quase que acidentalmente veio parar em minhas mãos um texto de José Saramago chamado Sobre Literatura, Compromisso e Transformação Social. Quase ao mesmo tempo eu recebia um livro de uma autora independente que tratava de uma casta misteriosa de vampiros que povoa o nosso mundo. Afinal, o que um teria a ver com o outro?


Alimentamos há tempos a crença de que a literatura pode transformar o mundo. A palavra seria a redentora dos nossos pecados. É disso que trata Saramago. Lendo aquele texto, não é difícil imaginar o seu ar blasé, dando conta de que nada é tão lindo quanto se deseja, nem tampouco feio quanto se teme. Não é a literatura o que molda o mundo, mas é o mundo que molda a literatura.

Engraçado porque, quando ainda insistimos em acreditar no papel transformador da palavra, percebemos que a palavra mais difundida é exatamente a que menos transforma. Ou será essa uma nova forma de transformação, uma opção pela fuga? Nos anos setenta descobrimos com maior intensidade, e com a ajuda do patrulhamento ideológico, que apenas a palavra salva. A palavra precisava ser engajada, tinha que assumir as dores do mundo, denunciar, revelar... E mais uma infinidade de verbos na primeira conjugação. Quem ousasse falar de vampiros ou alienígenas – quanto mais vampiros alienígenas! – seria condenado ao mármore quente do inferno!

Até que um dia apareceu Paulo Coelho. Um híbrido que misturava o rock cabeça de Raul Seixas – embora não tão engajado, mas perfeitamente aceito pela sua exata contradição – e um mundo de bruxos e fadas e caminhos secretos e misteriosos percorridos por milhares de turistas anualmente. Mas a palavra, de fato, nunca teve o efeito transformador que tantos desejavam. E, justamente, de tanto querer impor essa honrosa transformação, nossos patrulheiros ideológicos contribuíram de maneira primorosa para o esvaziamento da palavra.

E assim saíram das sombras os vampiros alienígenas e aquele mar de monstros que hoje passeiam pelas listas de best sellers da atualidade, sem a menor cerimônia. Embora seja diametralmente oposto ao que desejava nossa nata intelectual dos anos 70, temos que ser gratos ao bruxinho Harry Potter. Afinal, a literatura fantasiosa de J. K. Rowling apresentou ao mundo dos livros milhares de jovens que só conseguiam ver à sua frente a tela do seu smartphone ou do vídeo game. Não cabe aqui discutir a validade de temas literários, nem o triste fenômeno que reduziu de maneira absurda o número de leitores. A questão ainda é tentar entender exatamente qual é o poder de transformação da palavra.




 

"A vida literária é feita com os livros, não com os prêmios"

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