terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Nos primeiros dias após a tragédia que revelamos nossa incompetência

Reprodução de tela: Globo TV
Passado o choque, entramos na fase da indignação. Agora fica mais fácil até falar sobre o assunto. Já nem precisamos ser tão cautelosos. A manhã de terça-feira começou com os apresentadores do Jornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, colocando o major do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul contra a parede. Trata-se da reação normal. Na fase da indignação, queremos achar culpados.

As grandes tragédias, quase sempre, rendem ótimas coberturas de TV e emocionantes manchetes dos jornais. A questão é bem simples, nós nos alimentamos das nossas pequenas e grandes tragédias. Ao mesmo tempo, somos incapazes de enchergar as tragédias cotidianas, que fazem poucas vítimas, todos os dias, a cada cinco minutos, e que somam números parecidos com os das grandes guerras.

Nas grandes tragédias, políticos se arvoram pela oportunidade de aparecer. O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assumiu a missão de atualizar os jornalistas sobre a situação das vítimas do incêndio em Santa Maria e que se encontram hospitalizadas. Claro que o ministro não vai falar sobre quando irá atualizar a tabela SUS, ou sobre a farsa montada para a aprovação da Emenda 29, nem sobre os ridículos 3% do orçamento da União investidos na Saúde e que provocam, não seria exagero supor, se somarmos as pequenas tragédias em todas as cidades brasileiras, o equivalente ao mesmo número de mortos da grande tragédia, todas as semanas.

No Congresso Nacional temos o mesmo fenômeno. Deputados e Senadores já informaram que irão montar uma comissão para acompanhar o desenrolar dos fatos. Vão acompanhar de perto os resultados de um cenário que eles mesmos poderiam ter ajudado a evitar se tivessem a mesma disposição para fazer o seu trabalho: votar leis minimamente coerentes.

Aliás, durante a entrevista com o major Gerson da Rosa Pereira, do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, ficamos sabendo que a boate Kiss estava absolutamente de acordo com as normas brasileiras de segurança. As exigências mínimas estavam todas devidamente atendidas.

O apresentador Chico Pinheiro nem percebeu o tamanho da bobagem que falou: "O Senhor deixaria hoje uma boate funcionar com mais de 500 pessoas só com uma saída, (só porque) a legislação diz que pode?" perguntou. A fase da indignação nos faz deixar escapar o óbvio. Sim, o comandante do Corpo de Bombeiros não tem outra opção senão cumprir o que a legislação determina. A lei, embora nossa indgnação diga o contrário, ainda é a norma que rege a convivência social em qualquer país civilizado. A questão aqui é outra. O problema está na forma como organizamos nossas normas. Por que aceitamos tão passivamente que nossas instituições sejam tão negligentes na hora de votar essas leis?

No dia-a-dia, temos a tendência natural de ser complacentes. A mesma força que impulsiona o empresário a cumprir apenas o mínimo necessário para garantir a segurança numa boate e a mesma que nos leva a criticar as regras de fiscalização de velocidade nas estradas. Por que nos irritamos tanto com o número de radares? É nesse ponto que se esconde o óbvio. Os radares existem porque somos péssimos para obedecer essas regras mínimas de segurança. Nos Estados Unidos, uma tragédia semelhante, ocorrida em uma casa noturna no pequeno estado de Rhode Island, em 2003, motivou uma mudança drástica na legislação que regula o funcionamento desses estabelecimentos. No Brasil, culpamos o comandante do Corpo de Bombeiros porque ele, ora vejam, obedeceu a lei...

PS. Na segunda-feira, 28, passando pela marginal que liga Jundiaí a Campo Limpo Paulista, topei com um ônibus de turismo circulando com a suspensão traseira esquerda totalmente sem condições. Para o motorista do ônibus talvez não tenha nenhum problema dirigir aquele carro, afinal, a culpa não é dele. Para o dono da empresa, aquele ônibus pode circular um pouco mais, afinal, a manutenção já está programada para daqui a quinze dias... Até o momento em que surgir uma curva um pouco mais acentuada pela frente, uma distração e... É assim que se criam as pequenas-grandes tragédias.

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